Uma nave orbitando um grande corpo celeste. Durante 24 horas apenas um tripulante: era Apollo 11, que aguardava Neil Armstrong e Edwin Aldrin. “um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”. Dentro da nave, Michael Collins. Possivelmente o primeiro homem a conhecer a solidão absoluta. Não partilhava com o mundo inteiro, que vibrava com os olhos vidrados nas tv’s, a exaltação à capacidade humana. Também não partilhava a honra do grande salto que se dava, através dos pés de Armstrong e Aldrin, que trouxeram para casa pó de lua nos pés.
Fora do tempo. Fora do espaço.
Cildo Meirelles dá nome, é tema e personagem do documentário dirigido por Gustavo Rosa de Moura, de 2008. Nele, o artista comenta duas fortes memórias perenes de sua infância que traz consigo em suas reflexões e produção de trabalhos. Uma delas é o evento lunar, anteriormente narrado em que, curiosamente, ele foca seu olhar sob a ótica daquele que não está, o astronauta Michael Collins. Aquele que não participa do evento em sua essência. Aquele que está literalmente deslocado temporal e espacialmente e, basicamente, observa. Outra memória é a passagem de um andarilho pela cidade onde morava e que, certa noite antes de partir, construiu uma pequena casa de madeira. Essa casa, quase em antítese ao tripulante da nave, era encontro com o tempo e o espaço.
Como um badulaqueiro, Cildo acumula. Coleciona. Repete. Em uma capacidade fantástica de resolver os trabalhos que produz, o artista cria mundos absolutamente plenos. Cataloga, em uma variedade exorbitante, objetos que concluem um trabalho em que nada falta, nada sobra. Desvio para o vermelho (1967), Missões/missões (como construir catedrais, 1987) e Através (1989) se põem no espaço em uma presença quase suntuosa. Constituem um ambiente-mundo, em que não se pode ver só de fora, para capturá-lo é necessário estar dentro: entra-se nos trabalhos, sente-os completamente. Utilizando-se de todos os sentidos, o trabalho deve ser vivenciado. Há som. Há objeto. Há luz. Há o próprio corpo ali.
Durante o filme, Cildo comenta seu desejo por produzir memória, não objeto. É transparente a maneira como ele constrói essa memória: na mesma medida em que se penetra o trabalho, vivendo-o, o trabalho penetra a vida. Em inserção em circuitos ideológicos, (Cédula e Projeto Coca-Cola, 1970), os objetos estão ativos. Vieram do mundo e para o mundo voltarão. Eles devem ser vividos, usados, circulados. Nos trabalhos da série Canto (1967) e também em Eureka (1975), a experiência dos sentidos está em xeque. Mais uma vez, constrói-se através da apuração, que precisa do apoio de todo o corpo, certa reflexão que tende à permanência.
Em um movimento de apontamento, Cildo posiciona aquele que está no seu trabalho. Ele localiza, quase com força gravitacional, a pessoa no eixo tempo-espaço. em babel (2001), é possível, através de sua torre de rádios de diferentes tempos e diversos lugares, sentir no som, o mundo. Mas ele vai além. Alarga a escala e situa de maneira universal. Metros de madeira brancos pendurados em círculos, em um ambiente completamente coberto por relógios, também brancos. Fontes (1992) põe o indivíduo em seu lugar: só . Dentro da obra não é possível enxergar outras pessoas, apesar de ouvir seus sons. Em um ambiente-universo, orbita-se o espaço/tempo do trabalho de Cildo. A cada obra, ele traz Michael Collins para a casa de madeira.
Cildo Meirelles – Fontes.
CAROLINA LOPES, 32 anos, estuda História da Arte na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Fotógrafa e designer, também trabalhou como bolsista do professor Marcelo Campos na Casa França-Brasil, onde esteve mais perto das práticas curatoriais e artísticas. Nascida e criada em São Gonçalo, teve acesso tardio aos museus, cinemas, e espaços culturais; tendo sido completamente envolvida pelo universo da arte desde o primeiro contato.