Imaginei que sairia incólume da necessidade de fazer um texto crítico a respeito do FILE, que é o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, aberto ao público até o dia 4 deste mês, no Centro Cultural Banco do Brasil. Obviamente que quando estamos por demais envolvidos numa exposição, – fiz parte da equipe de mediadores -, um afastamento crítico e imparcial é uma tarefa quase impossível, apesar de que, nenhum tipo de crítica perfaz uma crítica imparcial. O grande mote da exposição,- e digo exposição porque, pelo menos este ano, o evento não se desdobrou para além da mostra em si e de apenas uma apresentação musical correlacionada -, é a arte eletrônica, que, se por um lado torna acessível muitos outros sentidos além da visão, por outro, se colocada numa dimensão lúdica, pode perder o seu caráter reflexivo e consequentemente converter-se num brinquedo.
São muitas as obras que logram conduzir a uma reflexão profunda sobre ser e estar na sociedade, o corpo e a maneira de se relacionar com o ambiente. Apenas para ilustrar, a obra Be boy Be girl, dos artistas Frederik Duerinck e Marleine van der Werf, possibilita uma reflexão muito mais profunda do que, infelizmente, observo a grande maioria dos visitantes obter. Neste trabalho multi-sensorial, o visitante tem a visão ativada pelo óculos de realidade virtual, enquanto sente na pele o calor, promovido pelo aquecedor, e a brisa, gerada por um ventilador, que compõe a instalação, ao mesmo tempo em que ouve o som do mar, saído pelos fones de ouvido. Essa é, sem dúvida, umas das obras mais acessíveis de toda a exposição, devido a multissensorialidade e por não ter um limite de peso estabelecido, nem um acesso restrito a cadeirantes e pessoas com baixa mobilidade.
Foram poucos os visitantes, contudo, ao longo de toda a exposição, que teceram algum comentário sobre a experiência de se escolher pertencer a um determinado gênero, ou que levantaram a problemática dos corpos padronizados que fazem parte do vídeo: ambos, a mulher e homem, são brancos e magros. Os modelos, por sua vez, seguram um drink, enquanto observam, calmamente, o vir e fugir das ondas suaves que molham a areia branca de uma praia particular: a experiência é individual, portanto, cada qual está sozinho na praia. Apenas dentro deste contexto, há, no mínimo, um recorte social e racial, além da possibilidade discursiva sobre a transsexualidade, mas o público, desencorajado a assumir uma postura crítica a respeito desta e de outras experimentações, aparentemente está mais preocupado em consumir as obras, e não é raro que enfrentem horas de fila apenas para tirar uma foto e postar nas redes sociais.
Creio que a isso se deva uma certa veiculação errônea a respeito da proposta do Festival, que este ano, apresenta a Disrupção tecnológica como fio-condutor da curadoria. Um dado interessante é que eu já fui a pelo menos duas edições anteriores, mas as obras em grande parte se repetem, o que não me escapa que há quase 18 anos não há uma reformulação completa do que se expõe: apesar do apelo inovador, várias das obras surgiram nos primórdios da internet brasileira – e por isso não há descrição da data nas legendas que as identificam. Imperdoável, porém, é o circuito pensado pelos curadores-organizadores, Paula Perissinotto e Ricardo Barreto: todas as obras de maior impacto estão no início da exposição, sendo que uma delas, o Swing, está a apenas cinco passos da porta de entrada do primeiro andar. Não há o que dizer a respeito das obras: até os jogos eletrônicos fomentam relações outras, que podem ser destrinchadas e trazer algo de novo à bagagem cultural das pessoas, contudo, o modo como a exposição se configura, contribui ao entendimento comum de que as obras são apenas para divertir e para gastar o tempo, e essa é a principal problemática do Festival: além de não se desdobrar por outras linguagens, como poderia, não se renova, como deveria, e não “propõe uma ruptura na forma tradicional da apreciação das obras”, como assevera a organização. Muito pelo contrário.
Cenário da Obra Swing
CAMILA VIEIRA é formada em Arte: História, Crítica e Curadoria, pela PUC SP, e atua como arte-educadora em instituições culturais. Realiza pesquisas acerca da educação não-formal e de processos curatoriais inclusivos. É autora do livro “A crise da Arte segundo Mário Pedrosa”.