Íris Helena, artista visual sediada em Brasília realiza uma investigação crítica sobre a cidade, captando com seu olhar imagens urbanas que reproduz sobre distintos suportes.
A artista deixa transparecer sua metodicidade ao utilizar-se da repetição na série “Paraísos Fiscais” (2016), qual utiliza tickets de compra. Nessa série a artista trabalha com a noção ambígua da memória. Com tickets e jatos de tinta, a memória torna-se um fardo para aqueles que necessitam guardar o percurso, o gasto, enquanto que para outros é uma dádiva, já que a tinta esvai, ocultando o valor do desejo. A reutilização de materiais descartados é uma maneira de retomar o histórico do objeto: a expectativa da compra, a efetivação do desejo realizado em um instante.

Na obra “Indício|Queda”, os tickets de compra podem referir-se à lembrança do consumo, da busca pelo novo e da plasticidade das relações sociais de Brasília. A ilusão do dinheiro de plástico é vivenciada por uma das classes da cidade, que alucina no ritmo apressado, repetitivo do cotidiano: são estas pessoas que amassam e guardam os tickets, que sabem o custo e conseguem ver além do apagamento.

Os “Quadrantes|Desertos” podem refletir o descampado da Esplanada dos Ministérios. No vazio do gramado a evasão das pessoas ocorre com brutalidade, sem respeito à memória daqueles que garantiram o espaço de luta. O apagamento é amigo, o esquecimento é fiel. E Iris Helena ironicamente nos relembra que ao redor, nas bordas da Esplanada, a evasão fiscal é feita, todos “esquecem seus bens” e a tinta do papel não é suficiente para gravar o ilícito.

MAYÃ FERNANDES é formada em Filosofia pela UnB e atualmente é mestranda em Metafísica pela mesma instituição. É pesquisadora da Cátedra UNESCO Archai: Origens do pensamento Ocidental e editora da PHAINE: Revista de Estudos Sobre Antiguidade. Estuda a teoria do belo na antiguidade e escreve crítica de arte no site Linhas de fuga.
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