- outro eu. eu. outro eu. eu. outro eu. eu. outro eu. eu. outro eu. eu. outro eu. eu. outro eu. eu.
cose-se aqui uma relação entre eus. no cálculo dos custos, há corte, há furo. há também emenda.
reencontrei com adrianna eu. há tempos não nos víamos, muito a conversar. me falou de suas boas novas, saudamos as boas de cada uma. ela me disse da primeira crise existencial do ser humano, informação completamente nova e maravilhosa a mim. disse acontecer aos dois anos, e ser exatamente esta: quando a pessoa se dá conta de que a mãe não é sua extensão. é a primeira vez que percebe-se a si mesmo um indivíduo, só. eu, pasma com a nova informação, ouvi-a prosseguir. adrianna falou das relações. das costuras entre os lados. disse: a medida que eu me conheço, eu tenho que ser mais generosa com o outro. falou das possibilidades inúmeras dos remendos. eu, que havia tido um dia difícil, por vias desta temática mesma, recebia aquela partilha como se estivesse em análise.
em aula de corte e costura para iniciantes, adrianna eu fala, com voz amplificada, através da escala de suas agulhas, linhas e carretéis. sem pretensão alguma, sabe bem e deixa claro que, a aula em si, é inútil. mas sim, a partilha é intensa. é curioso perceber em seus trabalhos as vozes com que fala. hora a voz de uma velha, carregada das experiências de uma vida inteira. já não briga, nem se afeta com tudo o que é outro. aquilo que é humano, complexo e incompreensível; aceita: só é. hora a voz de uma jovem. a voz prenhe de esperança. quase inocente. cheia de querer, cheia do desejo de compartilhar sem orçar os custos. tendo claras as dinâmicas de idas e vindas, costuradas nas relações, a obra de adrianna eu joga com os lados. de forma sedutora, primeiro traz para perto, para então iniciar seu compartir. para além das agulhas, anzóis desempenham o papel esperançoso, na busca dessa aproximação. em um balanço entre frio e calor, afasta e aproxima, reflete e adensa.
- volta, nó. eu. volta, nó. eu. volta, nó. eu. volta, nó. eu. volta, nó. eu. volta, nó. eu. volta, nó. eu.
borda-se eu. eu sobre eu mesma, me revolvo sobre o mesmo tecido, sobre o mesmo nó. olho pra mim. na fronte, desenhos e cores. no verso, me emaranho.
numa conjugação de ambiguidades, esta produção fala também de si. é o ouroboros da agulha, que sobre si mesma costura. como uma metalinguagem do eu, revisa-se a si mesma existindo diferentemente: agora a generosidade é aplicada a si. embora seja o si, o jogo segue em distintos lados. a conversa se desenrola pelo duplo. são sempre dois. euoutroeu.
CAROLINA LOPES, 32 anos, estuda História da Arte na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Fotógrafa e designer, também trabalhou como bolsista do professor Marcelo Campos na Casa França-Brasil, onde esteve mais perto das práticas curatoriais e artísticas. Nascida e criada em São Gonçalo, teve acesso tardio aos museus, cinemas, e espaços culturais; tendo sido completamente envolvida pelo universo da arte desde o primeiro contato.