Brasília está presente em todos os lugares. No concreto, nos detalhes do céu azul que se metamorfoseia em mar, oceano pacífico.
Capital da ironia, da cobrança universal e do reconhecimento subjetivo. Validação é besteira perto dos mil motivos que você tem para sorrir: o céu é lindo, as pessoas são gentis e a diversidade acolhedora. O sorriso e a docilidade compulsória são requisitos de sobrevivência. Fundas são as marcas deixadas, tanto remorso e frustração. Longe de Brasília, encontro seu rastro em meu RG.
Profunda é a sensação que se cria ao olhar para o cerrado entre a capital e a periferia.
Pesadelo é o silêncio nos dias de domingo. O caminho vazio até o ponto de ônibus da L2. Quando os pés desfilam entrequadras, a solidão é insuportável e dá vontade de fugir. No percurso, o calor toca o asfalto da esplanada e vira miragem.
Calma sapatão, você não está só. Fadadas ao normativo, o carinho é trocado na penumbra das árvores, nos carros ao som do ar-condicionado e entre 44 lajotas que insistem em dedurar a afronta. Tetos de gesso entregam a transgressão. Sem conter o gozo, sapatão é inconveniente como prego enfiado no asfalto do eixão.
Em seu conservadorismo, a perfeição é permanecer em uma tradição de retalhos. Brasília é terra de ninguém.
MAYÃ FERNANDES é formada em Filosofia pela UnB e atualmente é mestranda em Metafísica pela mesma instituição. É pesquisadora da Cátedra UNESCO Archai: Origens do pensamento Ocidental e editora da PHAINE: Revista de Estudos Sobre Antiguidade. Estuda a teoria do belo na antiguidade e escreve crítica de arte no site Linhas de fuga.