Hoje quero recomendar a leitura de um livro escrito por Tzvetan Todorov, cuja a primeira edição brasileira foi lançada em 1983 pela editora Martins Fontes.
Sabe quando você começa a ler um livro e não consegue mais parar? Às vezes você se pega conversando em voz alta com as páginas, questionando afirmações, concordando e discordando de algumas frases. Em outros momentos você tem um insight estimulado pela reflexão silenciosa a respeito das ideias do autor e parece até que você desvendou a Matrix. Foi o que aconteceu comigo na primeira leitura que fiz de “A Conquista da América: a questão do outro”. Desde então já me aventurei em algumas releituras, sempre procurando respostas ou caminhos para melhor compreender o tempo presente.
Todorov queria falar da descoberta que o eu faz do outro e, para isso, escolheu um fato histórico, a conquista da América pelos colonizadores europeus: “Não tenho outro meio de responder à pergunta de como se comportar em relação a outrem a não ser contando uma história exemplar, uma história tão verdadeira quanto possível”. Realmente, este encontro entre duas civilizações separadas pelo oceano atlântico e que resultou no maior genocídio da história da humanidade é um bom começo para tratar do tema da alteridade.
O texto é dividido em quatro capítulos: Descobrir, onde são expostos os motivos da viagem de Cristóvão Colombo e os paradoxos entre a mentalidade medieval e a era moderna; Conquistar, em que o ator principal é Hernán Cortés com suas diversas estratégias para submeter os povos autóctones ao domínio espanhol, que incluiu a importante participação de uma mulher asteca (“la Malinche”) que dominava varias línguas e que foi uma figura central no encontro entre Cortés e Montezuma; Amar, no caso, compreender o outro para dominá-lo, um “amor” assimilacionista mais preocupado com as riquezas produzidas do que pelos novos sujeitos “encontrados”; Conhecer, onde são expostas novas formas de relacionamento entre os conquistadores e os povos do continente e também apresentados novos personagens como Gonzalo Guerrero, que lutou ao lados dos índios, Cabeza de Vaca e Vasco de Quiroga.
Ao reler um livro, geralmente estamos motivados pelas inquietações do presente. Dentre tantos problemas pelos quais a sociedade brasileira tem passado, a questão do outro é, talvez, a mais importante. A polarização estrategicamente motivada pelo governo está criando uma sociedade incapaz de dialogar. Todorov tem uma frase genial no seu livro: “um diálogo não é a adição de dois monólogos”. O desafio do momento é o estabelecimento efetivo de um canal de diálogo com o Outro, não com a intenção de tomar ou destruir, mas de construir soluções menos individualistas ou violentas. Sei que não é fácil, pois o Facebook, o Twitter e os grupos de WhatsApp sempre nos chamam para a intransigência. Mas pelo menos temos que tentar.
* Não posso colocar por aqui, mas se procurarem é fácil encontrar um link para baixar o livro completo: TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1983.
Daniel Levy de Alvarenga é formado em Direito e em História pela PUC-Rio. Mestre em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), linha de pesquisa “Patrimônio, Ensino de História e Historiografia”. Doutorando em Direito pela Universidade Autônoma de Lisboa (UAL), desenvolvendo pesquisas sobre patrimônio cultural material e imaterial.