Museus são espaços de maximização de símbolos. Após a morte da pintura com Pollock e o Expressionismo abstrato, a arte se direcionou à adesão de elementos extremamente mundanos para sua construção de narrativas – como foi o caso de Andy Warhol. Colocar uma lupa na significância de um objeto cotidiano, deslocado de seu contexto habitual, é tarefa subversiva. É o que evoca a exposição …às contas, de Sônia Andrade, no MAM Rio.
Há nove correntes de bicicleta penduradas do teto, todas elas com contas penduradas. Cinquenta anos de contas de água, gás, luz, internet, água e celular pagas pela artista. A instalação promove um espaço-tempo em que pensemos sobre objetos que temos em nossas próprias casas, enfatizando uma sociedade de liberdade ilusória.
A impressão de aprisionamento se intensifica pela iluminação pontual da sala em suas correntes, tornando-a obscura. Trata-se do olhar para nós mesmos, nossos hábitos e nossas convenções sociais: nossas prisões. O texto da curadoria de Fernando Cocchiarale e Fernanda Lopes diz que o trabalho “É uma materialização poética do que a pessoa paga para viver”, enfatizando o trabalho da artista enquanto “o corpo como termômetro, unidade de medida e arena”.
A exposição, que fica em cartaz até 22 de setembro, nos convida a analisar atentamente hábitos atrelados ao senso comum, aos quais aderimos muitas vezes sem hesitação. Emergem questionamentos sobre quem decide nossas vidas por nós e a quem estamos pagando para existir – ou quanto vale uma existência. A sensação de angústia que pode surgir é também papel da arte.
Mariane Germano é estudante de literatura da UFRJ e de artes visuais na Escola do Parque Lage. Trabalhou com arte-educação no Instituto Moreira Salles e é professora do Colégio de Aplicação da PUC. Escreve resenhas e poemas. Tem mais playlists do que tempo pra ouví-las. Tópicos favoritos em textos e em mesas de bar: arte contemporânea e Beyoncé.