nos anos noventa roger ballen – fotógrafo nascido nos estados unidos, mas que vive e trabalha há mais de trinta anos na áfrica do sul -, desvia-se da tradição da fotografia documental que seu trabalho apresentava até então e instaura o que o mesmo chama de “ficção documental”, uma linha de seu trabalho onde fantasia e realidade cruzam-se e borram-se.
seu estilo de formato simples, quadrado e em preto e branco, são marcas que o caracterizam indistintamente dentro do cenário fotográfico. “outland”, série de dois mil faz-se ponto de partida para pensarmos o trabalho de ballen dentro da ficção documental que o artista passa a desdobrar em suas obras. “outland” coloca a figura humana em destaque, criando ou intervindo em cenários, friccionando humanidade e animalidade, de modo a compor uma imagem onde o freak e o grotesco fazem-se como pulsão artística necessária, sendo capazes de revelar poderosos psicodramas e narrativas visuais.
em “asylum of the birds”, série de dois mil e quatorze, a figura humana, então central na fotografia de ballen torna-se, então, velada, sendo somente um adereço que compõe o cenário. o que ganha destaque nesta fase da obra do artista são as pinturas, desenhos e colagens, assim como os objetos e animais, que com seus comportamentos imprevisíveis, passam a compor a estética fantasiosa do fotógrafo – tudo parece saído de um pesadelo em preto, branco, rabiscos, bonecas quebradas e pássaros permeiam toda a narrativa dessa real ficção.
“house of the ballenesque” é uma instalação criada para o les rencontres d’arles de dois mil e dezessete, onde podemos ver que a estética de roger ballen extrapola a fotografia e materializa-se em outros domínios artísticos. no curta vemos como ballen cria sua instalação, apropriando-se de objetos cotidianos, especialmente restos de bonecas e animais empalhados. a instalação aprofunda a relação de agonia e melancolia encontradas nas fotografias do artista – a casa que ballen projeta advém de uma acumulação, de um pesadelo exaustivo, onde ratos passeiam livremente e bonecos personificam pessoas.

o trabalho de roger ballen, tanto o fotográfico documental, quanto seu trabalho mais autoral e suas investidas em outros campos artísticos, tais como instalações, esculturas e vídeos, revelam um modus operandi muito intrínseco, um modo de fazer muito próprio onde suas características estéticas colocam-se logo na primeira camada na visada de suas obras. seus trabalhos possuem uma coerência visual entre si que é muito difícil de não perceber que uma obra é realmente dele – existe uma assinatura de ballen em cada trabalho que o artista executa. por isso, e por tantos outros fatores, o trabalho do fotógrafo pode ser colocado ao lado dos de diane arbus, sally mann e tantos outros nomes reconhecidamente emblemáticos na história da fotografia ocidental.
Lucas Rodrigues é ator, performer e artista visual. Graduando em Antropologia na UFF e pesquisador da cena contemporânea teatral, no Laboratório de Criação e Investigação da Cena Contemporânea. Coordena o Sem Cabeça Núcleo de Performance, da Companhia Coletivo Sem Órgãos.