na tradição antropológica a magia sempre foi uma tema de interesse e curiosidade entre os antropólogos. em “rituais, oráculos e magia entre os azande” evans-pritchard esmiúça a vida da sociedade na região da áfrica central, onde a magia é a reguladora e controladora da vida social. nesse pequeno texto apresentaremos a estética contemporânea das bruxas modernas, sob as lentes das fotógrafas lucia sekerková e maya goded, que captaram os rituais mágicos na romênia e no norte do méxico, respectivamente.
há uma diferença cultural imensa entre os trabalhos de sekerková e goded. enquanto a primeira retrata o encantamento que as bruxas romenas adquiriram em seu país, tornando-se quase celebridades, compartilhando seus rituais mágicos em redes sociais, onde também é possível encontrar seus contatos para agendar um encontro, goded percorre o norte do méxico caçando indícios das bruxas entre o povo san luis potosí, na obscuridade, onde um simples questionamento de onde vivem as bruxas são devolvidos com olhares de desconfiança e negação da existência das mesmas.
a estética de sekerková revela o luxo e a obtenção de lucro que as bruxas obtém hoje na romênia. as curas e os rituais oferecidos por essas mulheres são alvo de constante procura pela população, que chega a pagar valores altíssimos para uma consulta. as fotografias de sekerková evidenciam esse caráter luxuoso da prática – vemos casas imensas, decoradas com adornos caros, velas, onde o exagero quase encontra-se com um camp étnico-religioso e espalhafatoso.

já nos registros de goded observamos que as bruxas do norte do méxico pertencem a uma classe menos favorecida socialmente. suas casas simples amontoam-se de objetos sacros tanto da religião católica, quanto de cultos pré-hispânicos, que unem-se em um sincretismo potente e revelam todo o poderio dessas mulheres que vivem de acordo com suas próprias regras, desafiando convenções sociais, tabus sexuais e normas machistas de uma sociedade de um país de terceiro mundo latino-americano que, no fundo, não se difere muito em pensamento do nosso brasil-branco-cristão de cada dia nos dai hoje – melhor não.
a bruxaria, a macumbaria, o sagrado feminino e diversos outros movimentos religiosos e sociais que colocam a mulher como o centro divino do universo em que pertencemos mostram sua força na contemporaneidade diante de políticas machistas e patriarcais que, no primeiro sopro de oportunidade, ameaça arrancar-lhes poder e direito. o regressar ao sagrado faz-se ato político. como afirma maya goded, o mundo precisa das bruxas, das mulheres, como uma labareda de um incêndio, no escuro.
há ainda muito mundo para se queimar.
Lucas Rodrigues é ator, performer e artista visual. Graduando em Antropologia na UFF e pesquisador da cena contemporânea teatral, no Laboratório de Criação e Investigação da Cena Contemporânea. Coordena o Sem Cabeça Núcleo de Performance, da Companhia Coletivo Sem Órgãos