Talvez o rompimento de classificação esteja no caminho de alguns artistas de forma mais imanente do que outros. Uma confluência de imagens e biografia que desaguam em poéticas do imaginário. No percurso de Mostafa Sarabi, artista iraniano, aliam-se elementos oriundos da arte e da memória de sua terra natal, o Curdistão.
Em sua primeira individual fora do Irã, na Galeria Balice Hertling em Paris, o artista apresenta sua “Supreme Baba”, uma constelação de obras que investigam, e fusionam, três eixos temáticos caros ao artista: família, memória e fabulação.
A iconografia de Sarabi poderia ser facilmente associada tanto aos neo-fauves, como ao neo-surrealismo. O aspecto fantástico de suas figuras se reportam ao arcabouço imagético da Pérsia ancestral – manticoras, lamassus, simurghs, pavões e leões. Enfatiza, pois, os aspectos fabulativos de uma memória que ousa resistir em uma nação confinada à uma teocracia do esquecimento.
No fabular de Mostafa, são inseridos, por vezes, o seu corpo e os de sua mulher Sara Ahmadi, também artista visual. O que importa um autorretrato na produção contemporânea? O que importa a imagem de uma família curda e artista sobre as paredes de uma galeria ocidental? São questões postas e revolvidas nos pontilhismos e piruetas cromáticas de Sarabi.
Suas estratégias pictóricas, ao capturarem o fantástico e um certo grau de inocência pueril, conduzem os olhares mais totalizantes a rotularem a obra de naive. Para além dessas perspectivas colaterais, Sarabi assenta questões conflituosas, como a identidade e memória, em contextos de patrulhamento político. A pujança e desconcerto de suas imagens quiméricas se mostra como fértil terreno de proliferação de nuances. Ironia, surpresa, conjectura. Tudo em giro, num redemoinho poético, que altera seu eixo rotatório, ora para o imaginário ora para o real.
O aggiornamento crítico persevera produzindo novas leituras e novas possibilidades de re(existir) na obra de Sarabi, ainda que em condições extremas. Os redemoinhos plásticos modelados pelo artista giram, ganham velocidade, e mesmerizam o olhar para os novos mundos que ao mundo irão mostrar.
Pietro de Biase é advogado. Participou do Laboratório de pesquisa e prática de texto em arte do Parque Lage. Atualmente, integra o programa Imersões Curatoriais da Escola sem sítio