O que reivindica uma janela? Álvaro de Campos poderia dizer que são os espaços de reflexão sobre os fracassos da civilização. O artista Leon Battista Alberti, no século 15, teorizou que as pinturas deveriam criar ilusões realistas e miméticas, como uma janela do/para o mundo. A tela enquanto janela para a realidade dogmática da perspectiva. O caminhar dos tempos erodiu a rigidez de perspectiva e realismo propostos por Alberti. As janelas deixaram de ser veículos de representação pictórica, baseada num realismo humanista, para figurarem como elementos significantes de construção plástica e conceitual.
A ideia de quadro como janela persistiu até o final do século 19. No período barroco pelas janelas picturais começaram a atravessar luzes sobre temas ligados à moralidade, como em Steen e Murillo. Esmorecendo ao longo do século 18, a imagem retornou durante o período romântico. A historiadora Shirley Blum cita Caspar David Friedrich por tratar a janela como divisa entre o real e o inefável, palco para a vida contemplativa.
Já moribundas durante o neo-classicismo, as janelas ganharam novas cores sob a paleta das vanguardas. Mostram-se evidentes os recortes de gênero e classe social das figuras nas janelas. O espaço doméstico, como lugar de aprisionamento do corpo feminino, retrata interiores ora quietos ora soturnos.

Em uma abordagem temática pela história da pintura acerca do elemento da janela, denota-se o estado de opressão de corpos, considerável parcela deles femininos. Cada espaço confinado abrange o anterior, contribuindo para um continuum visual, ao reforçar a metáfora do aprisionamento e o sentimento de solidão, matérias primas da pesquisa de Wanda Pimentel. A artista se vale de uma estética pop para delinear uma arqueologia do doméstico, buscando a dissecação do ambiente confinado, a partir de uma taxonomia bem humorada de seus objeto.
Em a Condição Humana, Hannah Arendt explora o conceito de alteridade, enquanto motor da construção da identidade individual. Como acontecimento do mundo, a subjetividade se realizaria, pois, no espaço público que, ao seu turno, abrange o estado de vulnerabilidade salutar e auspicioso à forja das relações sociais. Considerando a construção identitária como fenômeno do mundo na filosofia arendtiana, o “estar na janela” poderia associar-se a uma reminiscência pré-subjetiva essencial. A solidão do confinamento revelaria-se, ao fim e ao cabo, no próprio esvaziamento da identidade humana.
Pela janela do quarto, pela tela vemos o mundo enquadrado. No curso de alguns dias, em razão da política de distanciamento social, ficamos retidos em casa. Por quanto tempo? Ainda não sabemos. O que se tem notado, no entanto, é que durante esse período de reclusão, as janelas, pouco a pouco, voltam ganhar destaque.
O que poderiam reivindicar essas janelas? Talvez sejam elemento-chave que melhor estampe a solidão contemporânea. Hoje, isolados, recordamos, mais uma vez das janelas de Álvaro de Campos, que para além de balcões de meditação sobre os insucessos do mundo, insistiam em nos convidar a sonhar todos os sonhos do mundo – “Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela”.
Pietro de Biase é advogado. Participou do Laboratório de pesquisa e prática de texto em arte do Parque Lage. Atualmente, integra o programa Imersões Curatoriais da Escola sem sítio
Gostaria de compartilhar minha pesquisa:
https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/34229
Att,
Leandro Pereira da Costa
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Que bacana, Leandro! Muito interesse a sua pesquisa. No início do segundo semestre iremos abrir uma chamada para submissões de artigos. Fique atento.
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