Na última publicação apresentamos dois coletivas latino-americanas cujo ativismo se dá, sobretudo, através de intervenções no espaço público. As coletivas apresentadas, oriundas da Bolívia e da Argentina, utilizam a palavra como ferramenta buscando romper a lógica do cotidiano patriarcal através de grafiteadas ou ações gráficas.
Hoje, dando seguimento ao assunto, iremos apresentar uma coletiva que também atuou com intervenções no espaço urbano, porém fazendo o uso de uma estética particular.
La Perrera (Peru, 1999-2004):
Criada em 1999 por Natalia Iguiñiz e Sandro Venturo, a coletiva artística La Perrera esteve ativa na cidade de Lima, Peru, até o ano 2004. O nome do grupo surgirá como uma alusão crítica, e irônica, ao uso da palavra “perra” para referir às mulheres. E será justamente sobre essa expressão, “perra”, que irão realizar a sua primeira ação em 1999.
Perrahabl@ (1999) é uma intervenção que consistiu na instalação de aproximadamente três mil cartazes nas ruas de Lima. Com uma estética publicitária que apesar de popular não é convencional, a peça gráfica levava impressas frases provocadoras como “Se você caminha pela rua e te chamam de cachorra eles tem razão, afinal você colocou uma saia muito curta e traiçoeira”. Acompanhando as frases, a imagem de um vira-lata obediente e passivo.
À primeira vista, o encontro com o chamativo cartaz, localizado em meio à poluição visual de um grande centro urbano, pode ser confuso. Afinal, existem aqueles que encaram a vida com literalidade e é necessário carregar consigo certa dose de ironia para compreender a crítica e a parodia. De todos os modos, a peça provavelmente originou reações de todo tipo.
No mesmo cartaz, em letras menores, o grupo incluiu um e-mail para que as “perras” pudessem falar. Dessa forma, a intervenção desdobrou-se sobre o tempo gerando canais de diálogo e ação, mas também polêmicas. De fato, o grupo considerou a ação como uma espécie de “escultura social”, já que incorporou as diferentes reações e opiniões como parte da obra.
A partir daí, a coletiva seguirá trabalhando com intervenções no espaço urbano com a intenção de provocar a opinião pública e incitar ao debate. As mensagens provocadoras e/ou denunciantes irão contrastar com a estética alegre (e conhecida pelos transeuntes) típica dos anúncios de discotecas e casas noturnas da região, conhecida como “estética chicha” ou “cumbiera”.
Em seus cartazes “chicheros” apontarão para as práticas machistas e culturalmente arraigadas. Mas, além do ativismo feminista, também denunciarão outras problemáticas sociais e políticas da sociedade peruana.

A coletiva irá participar de exposições e seminários em diferentes países, além de colaborar com ONGs e com outras coletivas, finalizando as suas atividades em 2004. Além do catálogo da exposição Acción Urgente (2014), utilizado como fonte de pesquisa para essa publicação, não é tarefa fácil localizar informações ou imagens da coletiva no espaço virtual. Ao digitar “La Perrera” no Google o mais provável é que encontremos imagens de canis ou de vira-latas tão genéricos quanto o do primeiro cartaz criado pelo grupo. Talvez, poderíamos interpretar a ironia desse resultado como uma prolongação em espaço e tempo da “escultura social” ativada pela coletiva em 1999. Afinal, a ação continua instigando o nosso interesse e curiosidade, ainda que não seja nas ruas.
Imagem de fundo: revistavozal.com

Vanessa Tangerini é carioca e suburbana. Ex-aluna do Pedro II e da EBA (UFRJ). Cursa a Licenciatura em Curadoria e Historia da Arte na Universidad del Museo Social Argentino em Buenos Aires, Argentina. Atualmente desenvolve sua pesquisa na área de Curadoria e Educação.